A masculinidade de Shun
O que a troca de gênero do personagem do clássico anime Cavaleiros do Zodíaco nos mostra
Com mais de 30 anos de história, os cavaleiros de bronze - Seiya, Ikki, Shiryu, Hyoga e Shun - voltam, em um reboot feito pela Netflix, no clássico “Cavaleiros do Zodíaco Saint Seiya”. O trailer da versão dirigida por Yoshiharu Ashino - conhecido por filmes da série Pokémon, D-Gray Man e Cardcaptor Sakura - foi divulgado ontem (08/12) na Comic Con Experience 2018.
Confira:
Inicialmente os fãs, muitos que acompanharam o anime clássico de 1986, criticaram a animação e não ficaram muito empolgados. Muitas críticas foram em cima da animação, que tem um visual bem diferente da versão original. No Brasil, sobraram elogios para a dublagem, que apresenta as mesmas vozes utilizadas na primeira vez que o anime chegou à televisão brasileira.
A mudança mais evidente foi com o Cavaleiro de Andrômeda, Shun. Anteriormente um homem, apareceu no reboot da Netflix como Shaun, uma mulher.
Muitos não entenderam, xingaram os produtores, pediram o cancelamento e acusaram a plataforma de estar estragando grandes clássicos. A mesma coisa aconteceu com o live-action do anime Death Note, que foi uma grande decepção.
Mas o grande ponto a ser discutido é “Por que Shun?”. O produtor e roteirista, Eugene Son, defendeu, em sua conta no Twitter, a necessidade de ter uma mulher na equipe de lutadores, que era, originalmente, composta apenas por homens.
Para muitos a decisão pode ter sido aleatória, apenas escolheram um personagem e decidiram fazer a mudança de gênero. Mas para quem conhece os personagens e suas personalidades sabe a seriedade dessa mudança. O Shun de 1986 tem como traços principais a sua sensibilidade, o ódio às lutas, a compaixão, a pureza do seu coração e usa uma armadura rosa.
A escolha de transformar o cavaleiro de Andrômeda em uma mulher abre a discussão para o estereótipo de masculinidade. Essa decisão consolida a máxima de que o homem deve ser forte, transpirar hombridade, estar preparado para luta e não demonstrar sentimentos. Qualquer outro personagem poderia ter sido escolhido, Hyoga, Ikki, Shiryu ou o próprio Seiya. Mas Shun - “o menos másculo” - foi o eleito.
O argumento de Eugene deixa de valer no momento que paramos para analisar as mulheres presentes no anime. Começando por Atena, que é a deusa da sabedoria, da estratégia e da justiça, a quem os cavaleiros servem e que é detentora de extremo poder. Mas que mesmo assim é pouco valorizada e muitas vezes tratada como frágil.
No Twitter muitos fãs citaram outras mulheres da série que poderiam ter sua história mais explorada, como a amazona June, as personagens Pandora, Eris e Rilda. Houve, ainda, os que lembraram que nunca houve o preenchimento das 88 constelações do Zodíaco, deixando espaço para a inserção de uma personagem feminina na equipe.
Uma das respostas, dada por um fã, a essa decisão, foi que o público ocidental não aceitaria um homem bonito, poderoso e afeminado, por isso a mudança. O que, se pararmos para pensar, faz sentido. Quem nunca ouviu o comentário “Nossa, que desperdício” sobre um homem bonito e gay.
Acontece que o ponto aqui não é nem a questão da sexualidade, de ser gay ou não, mas justamente essa visão de que o homem não pode ser sentimental. A famosa “masculinidade tóxica”. Onde já se viu um homem ter sentimentos? Qual homem de verdade abriria mão de uma boa briga? Imagina se um homem se importa com seus amigos, defende e protege eles?
Shun sempre foi alvo de xingamentos machistas e homofóbicos, justamente por ser mais delicado, mais sensível e por sua armadura rosa. Mas é isso que faz ele ser homem. Pois é ele que abraça a todos, que cuida de todos, que está lá para ajudar, para apoiar. É o seu coração puro e a sua compaixão que constroem sua personalidade e caráter.
Pra mim, que detesto futebol, que sou sim mais sensível - chorei assistindo Guerra Infinita -, que estou LONGE de me encaixar no padrão de “homem”, fica a decepção de ver que usaram a justificativa de empoderamento feminino, para consolidar mais um estereótipo machista e preconceituoso. E vocês, o que pensam sobre isso?
Agora - depois de criticar - enquanto esperamos a estreia da versão da Netflix, que está prevista para o terceiro trimestre de 2019, nos resta cantar - mais uma vez - essa abertura SENSACIONAL.